Hoje em dia, quem vê a imagem de duas pistolas cruzadas nas golas dos Policiais Militares brasileiros não faz idéia de sua origem.
Todo o Policial Militar paulista, logo que entra na Instituição, entre tantos termos e coisas novas, é apresentado a um símbolo cujo nome soa um tanto estranho no início: são conhecidas como “as bucaneiras da gola”. Há quem o chame de “os bucaneiros da gola” ou simplesmente “os bucaneiros”.
Trata-se de uma insígnia que vai se tornar muito familiar com o passar do tempo. São as duas pistolas antigas, símbolo adotado no Brasil para designar Polícia Militar, seja como parte das Forças Armadas, seja como Força Militar Estadual.
Fiquei curioso e procurei saber o porquê desse termo.
A arma:
As pistolas que aparecem no símbolo não são pistolas quaisquer. Elas tem nome e sobrenome.
As pistolas que aparecem no símbolo não são pistolas quaisquer. Elas tem nome e sobrenome.
As Harpers Ferry Modelo 1806, calibre .54, de pederneira, fabricadas no Arsenal do Exército dos EUA foram um avanço em termos de tecnologia.
As diversas partes desse modelo de arma eram padronizadas e, portanto, intercambiáveis, agilizando sua manutenção.
Foi a arma de porte padrão do Exército dos EUA por muitos anos.
Os primeiros a adotar as pistolas cruzadas como insígnia de Polícia Militar foram os Estados Unidos da América em 1923.
De fato, ela foi a quarta variação de símbolo para a Military Police.
O desenho inicial consistia de dois cassetetes cruzados uma vez que era a arma básica dos MP (Military Police), porém, era freqüentemente confundido com os canhões cruzados da arma de artilharia.
A proposta seguinte eram as maças cruzadas, os cassetetes da era medieval, porém, reclamava-se que eles eram parecidos com amassadores de batatas. Um novo símbolo teve que ser criado.
A terceira proposta eram as pistolas automáticas Colt .45 M1911, cruzadas, mas, novamente, a confusão com outra imagem, dessa vez a aparência de esquadros de carpintaria cruzados, determinaram um novo desenho.
Afinal, concordou-se com o desenho das pistolas Harpers Ferry e elas foram adotadas.
A ordem foi assinada pelo Chefe do Estado Maior à época, o General John J. Pershing em 1923, tornando-se o símbolo Oficial de Polícia Militar dos EUA.
Como veremos a seguir, o termo “pistolas bucaneiras” não é correto, uma vez que o modelo de pistola usado, surgiu décadas após a atuação dos bucaneiros na independência norte-americana.
O símbolo no Brasil:
Devido ao fato de ser um símbolo criado nos Estados Unidos da América, há quem se queixe que ele não tenha correlação conosco para ser adotado como símbolo para Polícia Militar em nosso país.
A história, contudo, demonstra que os brasileiros tem muita afinidade com aquele símbolo.
Em 1942, Quando o Brasil declarou guerra ao eixo e decidiu mandar tropas para a Itália, sentiu-se a necessidade da criação de um Corpo de Polícia a fim de manter a ordem das tropas, fazer a escolta e a guarda de prisioneiros e o serviço de polícia nas áreas ocupadas.
Como levaria muito tempo para se criar uma força assim, o General Mascarenhas de Morais, que havia servido em São Paulo, teve a idéia de convocar um contingente de policiais paulistas e incorporá-los à Força Expedicionária Brasileira – FEB.
Foi então que 78 Military Policemen, brasileiros paulistas, foram para a segunda guerra mundial, sendo o primeiro núcleo do que viria a ser mais tarde a atual Polícia do Exército brasileiro.
Nossas forças na Itália, contudo, careciam de equipamento e táticas mais adequadas para enfrentar o inimigo nas condições diferentes do que se havia encontrado até aquele momento em termos de confronto bélico.
Os Estados Unidos da América, então, forneceram seu armamento, equipamento e treinamento.
A fim de serem identificados como um exército aliado, o uniforme e insígnias eram os mesmos dos americanos, razão pela qual a Polícia Militar passou a usar o símbolo das pistolas cruzadas mantendo-o na volta.
O Coronel PM Telhada, em seu esplendido livro “a Polícia de São Paulo nos Campos da Itália” descreve essa história em detalhes.
A primeira aparição do símbolo no Brasil foi num boletim do Exército, no qual é dito que ele deve ser idêntico ao dos EUA, exceto pelo fato de serem costurados com linha cinza e não amarela como os americanos:
A primeira aparição do símbolo no Brasil foi num boletim do Exército, no qual é dito que ele deve ser idêntico ao dos EUA, exceto pelo fato de serem costurados com linha cinza e não amarela como os americanos:
Heráldica:
Quando duas figuras alongadas se cruzam em forma de uma aspa (formando um "X"), como espadas, lanças, ramos de plantas, etc. se diz que elas estão "passadas em aspa" ou sautor.
Pelo regulamento de Uniformes da PMESP, manteve-se a tradição de se usar o símbolo da mesma forma que se usava na segunda guerra mundial: a pistola da esquerda estando sobre a da direita.
Deve-se observar que, em heráldica, a esquerda e a direita são definidos como se a pessoa estivesse usando o símbolo no peito, o que significa que é o inverso de quem olha para a imagem.
A lenda sobre o símbolo que se mostrou errada:
Os bucaneiros teriam sido recrutados pelos EUA, para sua guerra de independência contra a Inglaterra.
O acordo rezava que ao término da guerra, os crimes cometidos por eles seriam perdoados.
Para serem reconhecidos, eles usavam uma bandeira com duas pistolas cruzadas.
Bucaneiro é outro nome dado aos piratas da região das Antilhas.
O termo bucaneiro vem de buccaneer, que, por sua vez, é derivado de bucan na língua indígena Arawak da América do norte. É um sistema para se defumar carne, muito utilizado pelos piratas daquela região. Quem fazia o bucan era, portanto, bucaneiro ou boucainier, apelido dado pelos franceses.
Ora, se os bucaneiros só existiram até o início do Séc XVIII e as pistolas Harpers Ferry começaram a ser produzidas no Séc. XIX, é impossível que elas tenham qualquer relação com os bucaneiros e, portanto, o termo “pistolas bucaneiras” não passa de uma de tantas lendas que surgem não se sabe de onde.
Texto excelente, muito detalhado, informal, como se fosse um bate-papo, e ao mesmo tempo específico, como uma aula. Parabéns Galdino, brindaste teus leitores com mais uma página da história da Polícia Militar.
ResponderExcluirPrezado Galdino, como amante da heráldica e da medalhística, foi um prazer imenso ler esse seu primoroso texto, escrito de inha "monografia" no CAO foi sobre os distintivos de cursos na PMESP e também percebí que muitos de nossos conhecimentos sobre o assunto aparecem sem uma fonte precisa a acabam por permanecer como cultura de caserna. Talvez seja essa a motivação das "bucaneiras". Quando entramos na Academia, nos disseram que os distintivos de Cursos sempre estão sobre "asas" ou tem formatos alados, pois a idéia seria de elevação de ideiais âs alturas. Em minha pesquisa, descobri que essa história não procede e que os distintivos de cursos das forças armadas e de outros países sõ tem asas quando remetem à aviação. Enfim, é o sintoma do famoso "peixe", que se vai modificando com o passar do tempo. Parabéns a você e ao querido amigo Padulla pela iniciativa. Rogerio Paixão
ResponderExcluirCaríssimo Comandante, Cel Rogerio Paixão:
ExcluirMuito oportuno seu comentário.
Acho que essas lendas surgem por uma lacuna na documentação histórica na nossa querida Corporação.
Espero contribuir para reduzir esse tipo de coisa.
Sua monografia já está na minha lista de próxima leitura!
Grato por prestigiar o blog!
Adorei a explanação, eu mesma tinha curiosidade sobre este símbolo! Parabéns! Glaucia
ResponderExcluirBelo trabalho! Foi preciso, dentro da concisão exigida pelo espaço. Estou certo de que foi e será útil a muita gente.
ResponderExcluirGeraldo de Menezes Gomes, Cel Ref PM, ex-diretor do Museu de Polícia Militar/SP
Caríssimo Comandante:
ResponderExcluiré uma honra receber um comentário vindo do senhor!
Muito grato por prestigiar o blog e, se o senhor tiver alguma sugestão de assunto, é só dizer.
Como ex-diretor do Museu da PMESP o senhor deve saber coisas bem interessantes.
Carissimo Galdino Neto, já me tornei um seguidor do seu blog e com certeza aprenderei muito com os seus excelentes e bem elucidativos artigos. Parabens por nos brindar com tanta riqueza de detalhes e curiosidades que contornam as nossas instituições militares. Percebe-se claramente o afinco e dedicação dispensados pelo autor para produzir este belo trabalho, fruto de pesquisas criteriosas e abrangentes. Parabens a você e à sua instituição.
ResponderExcluirAtt. Angelo Mario de Azevedo Dantas, Cel PM - Diretor de Ensino da PM-RN
Fiquei impressionado.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo!
ResponderExcluirParabéns ! Excelente explicação ! Nos aqui da PMRO também usamos.
ResponderExcluirParabéns caro Ten Cel Galdino. Seu trabalho engrandece todas as Policias Militares. Por favor, prossiga.Saber mais, saber sempre. Cel PMERJ Wilton(Foi Cmt Geral).
ResponderExcluirObrigado pelas palavras, Comandante!
ExcluirCaro Galdino, excelente texto, sucinto e muito explicativo. Ajudou muito em minhas pesquisas
ResponderExcluirParabéns Galdino e obrigado por esse texto enriquecedor. Afinal, não basta usar bucaneiro, tem que saber a origem.
ResponderExcluirExcelente explicação. Texto explicativo. Minha curiosidade foi satisfeita.
ResponderExcluirGostei muito do texto, sou Policial Militar da reserva.
ResponderExcluirTop !!! Minha continencia é respeito
ResponderExcluirVIVA!
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